sábado, 18 de maio de 2013

Comissão da Verdade apura mortes de índios que podem quintuplicar vítimas da ditadura

Assista o vídeo da TV Brasil

A Comissão Nacional da Verdade começou a investigar, em outubro deste ano, o desaparecimento de aproximadamente 2.000 índios da etnia Waimiri-Atroari durante a ditadura militar. O sumiço dos indígenas, cujo território se estendia de Manaus até o sul de Roraima, ocorreu entre 1968 e 1983, época em que o governo federal construiu a rodovia BR-174, ligando a capital amazonense a Boa Vista, para atrair à região projetos de mineração de multinacionais. A comissão recebeu um relatório, com 92 páginas e dezenas de documentos anexos, elaborado pelo Comitê Estadual da Verdade do Amazonas. O dossiê reúne relatos dos índios, depoimentos de sertanistas, militares e funcionários públicos, entre outros indícios que apontam para a existência de um massacre dos Waimiris-Atroaris, operado pelo Exército por meio de táticas de guerra, inclusive.

Táticas militares

O relatório em poder da Comissão da Verdade sustenta que os militares usaram contra os índios um aparato bélico que incluía aviões, helicópteros, bombas, metralhadoras, entre outros equipamentos. A disseminação de doenças, contraídas pelos índios a partir do contato com os brancos, também causou a morte dos Waimiris, segundo o relatório, que cita o desaparecimento total de outro povo indígena que vivia na região: o Piriutiti.

Imagens produzidas pelos militares e pela Funai e cedidas à reportagem pelo jornalista Edilson Martins, diretor do documentário em série "AmazôniAdentro", veiculado na TV Brasil neste ano, mostram ocas pegando fogo, aldeias incendiadas e cadáveres de supostas vítimas dos índios. A versão da Funai é que as ocas que aparecem em chamas nas imagens foram destruídas pelos próprios índios, mas o relatório da Comitê Estadual da Verdade pede que as fotografias sejam periciadas em razão da suspeita de que tenham sido bombardeadas. Para o jornalista, que ao longo de 30 anos fez reportagens pela Amazônia, as ações contra os Waimiris criaram um novo paradigma na repressão aos índios. "Esse episódio produziu um novo paradigma no trato com as populações indígenas: pela primeira vez se registrou o uso oficial de armas, pelo Estado, contra essas culturas. Foi um fato inédito. Até então o extermínio dos índios tinha se dado pelas frentes agrícolas e pelos ciclos econômicos", afirmou o jornalista, que durante três décadas trabalhou como repórter na Amazônia.

Relatos dos índios

Como a área em que viviam os Waimiris foi isolada pelo Exército e o acesso aos indígenas era controlado pelos militares, os primeiros relatos do suposto massacre só apareceram a partir de 1985, quando os indigenistas e missionários Egydio Schwade e Doroti Alice Muller Schawade iniciaram um processo de alfabetização dos Waimiris em sua língua materna. Um dos Waimiris conta que "o homem civilizado jogou, de um avião, um pó que queimou a garganta dos índios, que logo morreram". De acordo com o relatório, depoimentos idênticos foram dados por outros Waimiris. No documentário, o Wwaimiri Viana Womé Atroari também cita um ataque aéreo: "foi assim, tipo bomba, lá na aldeia. Dos índios que estavam na aldeia, não escapou ninguém. Ele veio no avião e de repente esquentou tudinho, aí morreu muita gente. Foi muita maldade na construção da BR-174. Aí veio muita gente e pessoal armado, assim, pessoal do Exército, isso eu vi. Eu sei que me lembro bem assim: tinha um avião assim, desenho de folha, assim, um pouco vermelho por baixo. Passou isso aí, morria rapidinho pessoa. Desse aí que nós víamos."

Militares não escondiam repressão

Durante a ditadura, a Funai estava subordinada ao Exército. Seus principais dirigentes eram militares do alto escalão. Os sertanistas que atuavam junto aos Waimiris foram treinados pelo 6º Batalhão de Engenharia de Construção do Exército, com sede em Boa Vista. Em 1968, foi organizada uma expedição chefiada pelo antropólogo italiano e padre João Calleri, que, em contrato, prometeu "amansar" os índios e convencê-los a trabalhar na construção da BR-174. Resultado: dos 11 integrantes da missão, dez foram mortos pelos índios, inclusive o religioso.

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